quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A PAREDE FURADA

Recebi via Favela Tem Voz o que seria uma crônica, a visão que tem um morador do complexo de favelas do Alemão e achei que fosse interessante compartilhar com os leitores do blog.
O texto, cujo o título é bem sugestivo, "A Parede Furada", está sendo compartilhado nas redes sociais.
Segue abaixo:

Olhando daqui vejo paredes furadas, são buracos imensos, vários mesmo, e isso em várias paredes, de muitas casas em quase todos os locais da Favela aqui onde vivemos. Ao se aproximar de uma das casas que tinha as paredes perfuradas, olhei por entre um dos buracos e vi duas crianças e sua mãe deitada no chão da cozinha, elas estavam amedrontadas e em estado de êxtase nunca visto por mim antes numa cena tão deplorável. A situação era assustadora, pois as crianças choravam copiosamente, sem um alento, sem saber o porquê daquilo tudo, e uma delas a mais nova pedia a sua mãe: “Mamãe, por favor vamos embora daqui...” e sem palavras e sem saber o que responder, a mãe só chorava e chorava... Abaixei a minha cabeça e também comecei a chorar, em ver tamanho desespero daquela família. A dor daquela mãe era tamanha que senti aquela mesma DOR com uma pontada no meu coração.
São dias assim que várias pessoas estão vivendo aqui, e pasmem, e não são poucas às famílias que estão na mesma situação.

A casa do meu vizinho está toda furada, de tiros de fuzil, 762 e G3, alguns são de pistola, esses são menos graves, mais a grande maioria tem feito um estrago ainda maior, não nas paredes apenas, mais também no psicológico de muitas pessoas, e o agravamento disso tudo é que as crianças estão sendo as mais atingidas nessa guerra toda, porque elas não conseguem entender o motivo de tantos tiros e tantas paredes furadas. Os furos da casa de um outro morador lembram aquelas cenas cinematográficas de guerras no Oriente Médio, algo surreal e sem descritivo em letras, só mesmo vendo com os olhos, o portão da Dona Maria é algo assustador, todo furado, várias rajadas o alvejaram em uma dessas terríveis noites de confrontos, na minha contagem tem mais de 100 furos, sem errar a contagem.
Andando pela Praça do Samba, um dos locais daqui do alto do Morro, tem umas dez casas, todas com a fachada com mais de 30 furos feito por balas de grosso calibre, e andando um pouco mais à frente na famosa Rua 2, ai é que a coisa fica ainda mais tensa, casas e comércios com muitas perfurações, nem a fachada de uma igreja escapou. Descemos e chegamos na Sabino, meu Deus! Cenas de horror, centenas de casas, isso mesmo centenas de casas, todas com buracos nas paredes, buracos esses que dar para ver as pessoas dentro dos espaços internos, pessoas acuadas e sem direção em meio a esses sangrentos confrontos diários que estamos tendo aqui.

A pior de todas as situações, são aquelas que envolvem crianças e idosos... É muito triste e desolador imaginar a impotência mediante ao início de um tiroteio e não saber o que fazer, para onde correr, para onde ir. Geralmente, quando se está na rua, corre-se para um beco, joga-se no chão, entra num comercio ou algo assim, mais quando se está em casa, dentro da nossa própria casa, o que fazer, vendo as paredes sendo furadas... Se estiver na sala, foge-se para cozinha, e fica ouvindo os estilhaços perfurarem o seus bens, e pede somente que as nossas vidas sejam poupadas, abraçasse um no outro e espere, e podem crê, talvez você que nunca passou por isso, nunca saberá, é algo de fora desse mundo, é diabólico, pois sabemos que assim como as paredes que são furadas, um desses projéteis podem também transpassar nossos corpos...
Queremos que um dia, essas marcas sejam apagadas da nossa Favela.
Que um dia, possamos olhar para nossas casas e barracos e não mais ver buracos nas paredes, como são hoje. Nosso sonho é que um dia essa guerra acabe, e que possamos nos sentir seguros dentro de nossas casas, que ao sentar para ver tv, não sejamos alvejados como foi a Dona Beth, que veio a falecer com um tiro de fuzil no pescoço as 16:00 horas da tarde sentada no sofá da sua casa, sem saber o motivo porque morrera, que situação mais nefasta e sem explicação para os seus familiares.
Como forma de salientar esse texto afirmo em dizer que em cada um de nós esses tiroteios tem feito estragos muito maiores que apenas furos em paredes de cimento e tijolos, o estrago tem sido de perfurações em nossas almas, tem sido nos corações de cada morador que tem enfrentado isso diariamente sem poder se defender e a mercê dessa estupidez.
CHEGA DE PAREDE E CORPOS FURADOS POR BALAS DE ARMAS DE FOGO, CHEGA.

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